quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Rafael de Castro Caetano
Corrida eleitoral

Irritado, o homem suspirava, na dele. Andava a passos curtos, mas rápidos, pulando papéis amassados, e se esquivando do trololó dos jingles sem trégua.

Assédios das propagandas eleitorais.

O poste lula-da-silva com as barbas grisalhas da esquerda liberal via Campo Majoritário. O santinho Requeijão com o topete perolado por um sol photoshopaico e frio. Na tevê, vira (a imagem o surpreendia na mente) uma figurinha carimbada, de rosto imberbe, na vez de padrinho de candidatos de ficha política imberbe. Os flashs-alkmin caminhando resolutos ao encontro do eleitor e com a bandeira nacional ao fundo - caloroso como um chip de computador e insistindo numa coloquialidade de estúdio.

"Humpf!", emitia o homem, sentindo-se passado para trás por estímulos que pareciam não ter valor algum depois de findo o horário eleitoral gratuito ou dobrado o folheto no bolso. Enterrou então as mãos nas aberturas formais da calça e manteve o passo, insatisfeito. Era véspera de eleições e o homem acordara com o sangue andarilho naquele dia.

E, na falta de brisa que lhe soprasse algo, sopravam imagens do Paraná à beira de uma pista deserta por ter perdido o bonde da história; de um candidato fazendo a corrigenda do termo "salário mínimo" para "mínimo salário" para que o teor ideológico dessa idéia ficasse explícito; de uma paródia simples e empática associando a política tornada entretenimento ao show circense.

Nesse momento, o homem soltou um riso parecido com soluço, na verdade involuntário.
De repente, enterneceu-se com sorrisos da mulher e da filha pequenina olhando para ele, tão meigas e indispensáveis (lembrou-se de uma foto em especial). Agradeceu a elas (mentalmente) tudo o de melhor que é e, também, por terem dissipado o amargor que tanta propaganda desalmada provoca.


E lá vinha mais um jingle interminável, grudento como um chiclete mastigado e sem doçura. O homem queria limpar os sentidos para a busca de outros. Tantas propagandas comerciais de supermercados, de lojas de autopeças, de produtos de luxo com as gostosa da hora... Todas cederam lugar aos senhores e senhoras em terninhos impecáveis e olhar ritmado pelos teleprompteres e os discursos de indignação da eleição anterior. Será que sorriam sob a maquiagem? Será que os lábios de gabinete trariam alguma esperança? “Esperança!?” – o homem interrompeu a atmosfera parada. Esperança para varredores e margaridas”. De fato, a cidade fora invadida por muitos papéis perdidos e rasteiros.

O homem teve a sensação de não ter olhos, tantos eram os rostos que o perguntavam: “Já tem seu candidato?”, “Eu posso ajudá-lo a decidir entre tantos eus!”. Decidido, foi avançando, até que chegou a um descampado, nos longes do urbano. Deu-se conta de que estivera o tempo todo com as mãos nos bolsos, dobrando e revirando algo. Pegou o embalado: era o título de eleitor! Tinha em mãos um documento ensebado, desbotado, dobrado e desdobrado. Inutilizado. Não se lia mais nada nele.

Não haveria justificativa para isso, mesmo com formulário. Um deslize por se ter deixado levar por um escapismo infantil... Esse homem, doente de fobia eleitoral, se julgava caso único. No dia da Escolha – feriado – enfrentou fila.

Todavia, no momento crucial, não se apartou da urna enquanto não encontrou o próprio rosto no visor antes de acionar o “confirma?”.

Um comentário:

  1. Boa tarde, caro André! Espero que esteja bem. Gostaria de lhe pedir um pequeno favor. Sou grato que tenha dado espaço a meu escrito em seu blog, mas agora gostaria que você retirasse do ar esta publicação, por favor. Conto com sua compreensão e gesto fraterno. Desejo tudo de bom a ti e aos seus, assim como aos notáveis textos que saem de sua lavra. Coragem e sucesso!

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